Cadillac Allanté: o conversível que desafiava a logística


Texto - Júlio Max | Fotos - Divulgação/AutoWP.ru

Nos Estados Unidos, a década de 1980 foi o período de transição entre as "banheiras" rejeitadas após a crise do petróleo e modelos mais racionais, com carrocerias mais compactas e motores mais eficientes, para conter o avanço dos veículos importados (especialmente japoneses) em território norte-americano: dos cerca de 11 milhões de veículos vendidos em 1986 nos EUA, 30% eram estrangeiros. Uma das histórias mais emblemáticas desta época é a do Cadillac Allanté, que incorporou tecnologias surpreendentes para um modelo que saiu de linha há mais de 20 anos.


Desenhado nos estúdios de Grugliasco em Turim (Itália), desenvolvido sob o codinome "Callisto" e lançado em 1986, o Allanté (nome escolhido por um sorteio interno na Cadillac em maio de 1985) tinha linhas predominantemente retas e uma carroceria de proporções esbeltas, com 4,54 metros de comprimento, 1,86 metro de largura e 1,33 m de altura. Contava com lavadores dos faróis, sensor de luminosidade, antena retrátil eletricamente, freios a disco nas quatro rodas com sistema anti-travamento, quadro de instrumentos digital, manual do proprietário com calculadora, bloco de notas, caneta e uma fita VHS, Bose Symphony Sound System e versões com capota rígida removível (trazendo desembaçador traseiro, inclusive) ou de lona. Havia um único opcional: o telefone celular integrado, artigo raro naquela época e que, pelo preço salgado, não conquistou muitos clientes.


Diariamente, cerca de 40 carrocerias eram pré-montadas na Itália, na fábrica de San Giorgio Canavese (Itália) - o estúdio Pininfarina reconheceu que havia limitações de estilo impostas por características do conversível, como as dimensões de suspensão e rodas, que invadiam significativamente os para-lamas. 


Para cobrir os aproximados 7400 quilômetros entre San Giorgio Canavese e Detroit de forma rápida, a solução foi transportar as carrocerias via Boeing 747, das companhias aéreas Alitalia e Lufthansa. O avião transportava 56 carrocerias de uma vez; uma vez em solo americano, as "entregas" eram feitas de caminhão, representando a intermodalidade de transportes. A parte inferior da carroceria, o cofre do motor, o compartimento traseiro e os componentes elétricos vinham dos Estados Unidos para a Itália; lá, eram unidos à carroceria pela Pininfarina, e depois voltavam à fábrica de Detroit/Hamtramck (EUA) para a conclusão da montagem. Assegurando a integridade das partes da carroceria, elas chegavam à linha de montagem embaladas. Todo o processo durava cerca de 14 dias.

O reflexo deste complexo processo logístico se refletia em seu preço: era um carro tão raro (e caro) para os padrões norte-americanos da época que as próprias concessionárias tinham dificuldades em ter unidades disponíveis, e chegavam a comprar unidades de outras autorizadas Cadillac. Uma situação que desregula o princípio logístico de disponibilizar o produto adequado no momento certo... Assim, o preço final para os consumidores chegava a ser ainda mais alto que o de tabela. Em 1987, o Allanté custava US$ 54 700: com esse valor era possível comprar quatro Cadillac Cimarron, o modelo de entrada da montadora na época. Por outro lado, era uma "barganha" perto do preço do Mercedes-Benz SL, o principal oponente àquela altura.

"E por que a Cadillac não projetou e fabricou o Allanté internamente nos Estados Unidos?", vem à mente, afinal, estima-se que esta cadeia logística aumentava o preço do Allanté em cerca de US$ 4000 a US$ 8000. A resposta estava no desejo de oferecer um toque europeu ao conversível assim como os rivais, já que o Jaguar XJ6 vinha da Inglaterra, e o Mercedes SL, da Alemanha. Sergio Pininfarina declarou na época ao New York Times que o melhor dos dois mundos estava na mecânica e tecnologia norte-americanas conjugada ao design italiano.


Seu chassi, assim como a motorização, era compartilhada com o Cadillac Eldorado de décima geração. O propulsor 4.1 V8, que o equipou apenas de 1987 a 1988, rendia 170 hp e 32,5 kgfm de torque; o tempo de aceleração de 0 a 100 km/h era de 9,2 segundos, ressentindo-se de seus 1690 quilos. Ao longo de toda a sua carreira, o câmbio sempre foi automático de quatro marchas. 


Na linha 1988, o comprador podia escolher um quadro de instrumentos analógico no lugar do visor digital (no fim da década as montadoras acataram aos pedidos dos consumidores em geral, que consideravam os instrumentos "hi-tech" de difícil leitura). Aliás, os bancos e a dificuldade de operar a capota eram alvos de críticas. Neste mesmo ano, o Allanté ganhava abertura elétrica da tampa do porta-malas e novos apoios de cabeça.


Em 1989, quando o Cadillac recebia nova motorização 4.5, era lançado o rival Chrysler TC by Maserati, que era totalmente fabricado na Itália, em três etapas (estampagem, montagem tradicional e finalização da montagem), embora tenha sido alvo de críticas pela performance mediana, falta de opção de cores externas e poucos argumentos de venda em relação ao Chrysler LeBaron GTC, mais barato e com os mesmos atributos. Sua produção encerrou logo em 1990, vendendo apenas 7300 unidades (apesar de ser significativamente mais barato que o Allanté, com preços ao redor dos US$ 35 000).


De 1989 a 1992, em reação ao Mercedes SL, o motor passou a ser o 4.5 V8 de 200 hp e 37,7 kgfm de torque, que baixava o tempo de 0 a 100 km/h para 7,9 segundos e permitia alcançar a velocidade máxima de 196 km/h.


A linha 1990 do Allanté passou a contar com airbag do motorista (eliminando o ajuste em distância do volante), sete anos/160 mil km de garantia, CD Player (junto com o leitor de fita cassete), pintura branca perolizada e o controle de tração (inédito em carros com tração nas rodas dianteiras).


Em 1992, o Allanté foi carro-madrinha na Indianápolis 500 [com modificações nos cintos de segurança, nas entradas de ar e na barra anti-capotamento], mas esta divulgação não o salvou de amargar os piores números de venda de toda a sua carreira (1931 unidades). Foi o último ano dos bancos Recaro com múltiplos ajustes.


Na linha 1993, a última de sua carreira e introduzida ao mercado ainda no início de 1992, o Allanté trazia videogame, controle de tração mais atuante, direção hidráulica de assistência variável, novo câmbio automático 4T80-E de quatro marchas e um novo motor, o 4.6 V8 de 295 horsepower e 39,8 kgfm de torque, suficientes para levá-lo de 0 a 100 km/h em 6,4 segundos e alcançar a velocidade máxima de 230 km/h. Ironicamente, as vendas no fim de seu ciclo de vida foram as maiores (4670 unidades), mas ainda assim, bastante abaixo das expectativas iniciais da montadora, de vender 7000 unidades por ano. Com alto custo de produção demandado e baixa rentabilidade com as vendas fracas, o Allanté deixou de ser produzido, em 2 de julho de 1993, chegando a causar comoção entre funcionários da Pininfarina.


Raro no Brasil, o Cadillac Allanté somou 21 430 unidades produzidas e não teve um sucessor. Apenas em 2003 foi apresentado um novo cupê/conversível de porte médio, o XLR, que esteve no mercado até 2009. Apesar de não ter sido sucesso de vendas e demandar uma cadeia logística extensa até sua comercialização nos Estados Unidos, o Allanté deixou registrada de forma inusitada sua marca na história automobilística.

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