Memórias do Passado: 20 anos sem Ayrton Senna


O ano de 1994 foi cruel para a Fórmula 1, após seguidas temporadas empolgantes. O regulamento daquela temporada, que estabelecia a retirada de itens como freios antitravamento, suspensão ativa e controle de tração (sem redução de potência dos bólidos), para equiparar a perícia dos pilotos, resultou em um Williams-Renault FW16 "inguiável", nas palavras de Ayrton Senna - àquela altura com 34 anos, tricampeão mundial da F1 (pela equipe Honda Marlboro McLaren, nos anos de 1988, 1990 e 1991). Vice-campeão no ano anterior, Senna sequer completou um Grande Prêmio com o FW16 em 1994, apesar de ter realizado a pole position em todas elas. Aquela temporada, para ele, iniciava no Autódromo Enzo e Dino Ferrari, localizado em Ímola (Itália).



No treino classificatório ocorrido em 29 de abril daquele ano, houve um acidente grave de Rubinho Barrichello (que na época corria na Jordan): a quantidade excessiva de zebras internas fez o monoposto perder o controle, voando, atingindo a grade e a barreira de pneus e capotando. Felizmente, o piloto brasileiro teve "apenas" escoriações e o nariz quebrado, ficando de fora do Grande Prêmio. Ao lado, uma das últimas fotografias de Senna e Rubinho juntos.


O treino classificatório de sábado (30/04/1994) culminou na morte do piloto austríaco Roland Ratzenberger (Simtek), na curva Villeneuve. O aerofólio dianteiro se desprendeu e o carro foi de encontro ao muro, a aproximados 300 km/h. A fatalidade teve bem menos destaque que a morte de Senna, que ocorreria no dia seguinte. Pouquíssimos pilotos e pessoas ligadas à F1 compareceram ao seu enterro (entre eles, Gerhard Berger, Niki Lauda e Max Mosley). Ratzenberger teve dificuldades para ingressar na Fórmula 1 e iniciava sua primeira temporada na categoria, mas era visto quase sempre com um sorriso no rosto, além de fazer sucesso com as mulheres.

Senna, que havia feito a pole position do circuito (1:21:548), ficou visivelmente comovido com as tragédias no circuito (ele chegou a ir à curva do acidente de Ratzenberger, descumprindo regras), e considerou não correr, como relatado em conversa à então namorada, Adriane Galisteu. Mais um motivo para Ayrton ficar abalado: a descoberta de gravações telefônicas comprometedoras dela com seu ex-namorado. No seu último jantar com amigos no Trattoria Romagnola, Senna decidiu que o melhor seria correr em Ímola.


No Grande Prêmio de San Marino de 1994, houve acidente logo na largada: J. J. Lehto não conseguiu largar, Pedro Lamy bateu em sua traseira e um dos pneus voou sobre a arquibancada, atingindo nove espectadores, sem ferimentos graves. Entre os carros de apoio, haviam Opel Vectra, Astra SW, Alfa Romeo 155 e uma Ferrari 348, todos sem adaptações para as pistas de corrida, e durante as voltas em velocidades mais lentas com Safety Car (Vectra), a temperatura dos pneus baixou, diminuindo a pressão interna. A propósito: era a primeira vez que um Safety Car entrava em ação na Fórmula 1.


Na sétima volta, Senna não consegue contornar a curva Tamburello e bate a cerca de 210 km/h. O acidente foi causado pela quebra da coluna de direção, improvisada para garantir ao piloto maior conforto ao guiar. No impacto, um braço da suspensão dianteira direita atingiu a viseira do capacete. Pela locução de Galvão Bueno ("Senna bate forte") e pelas imagens que se seguiram, a apreensão logo tomou conta de todos os que acompanhavam a prova. Houve relativa demora em seu resgate: o piloto foi retirado do Williams FW16 em dois minutos e trinta segundos; o helicóptero de resgate chegou apenas 17 minutos depois do impacto.


Logo após o acidente, foram hasteadas bandeiras vermelhas para indicar interrupção da corrida, embora o piloto Érik Comas tivesse conseguido deixar o pit stop e ter ido ao local do choque. Vale lembrar que Érik sofreu um acidente no GP da Bélgica em 1992 e Senna parou para desligar o motor do Ligier destroçado (poderia haver incêndio, com o vazamento de combustível) e segurar a cabeça do piloto francês até a chegada dos paramédicos. Para sua infelicidade, não teve a oportunidade de retribuir o ato nobre. Érik Comas deixou de ser piloto de Fórmula 1 ainda em 1994.


Na relargada, Michael Schumacher venceu a corrida - mas aquele pódio, no lugar dos estouros de champanhes, foi local de tristeza profunda. A título de curiosidade, mesmo sem Senna e Barrichello, havia ainda um piloto brasileiro no Grande Prêmio de San Marino, que corria pela Footwork: Christian Fittipaldi, sobrinho de Emerson. Ele rodou, mas recebeu a 13ª colocação.

Senna foi levado de helicóptero ao Hospital Maggiore, para onde Ratzenberger foi transferido e faleceu minutos após ter dado entrada, com diversas fraturas cranianas. O ídolo nacional teve grande perda de sangue e massa encefálica, causada pela invasão da suspensão dianteira em seu capacete. Os médicos confirmaram sua morte cerebral e, logo depois, a inatividade cardíaca (que dependia de aparelhos). 

Há a polêmica de os pilotos terem falecido ainda na pista: afinal, pelas leis italianas, se um esportista é declarado morto em um evento, é necessário seu cancelamento imediato. Os médicos do Maggiore rebatem, argumentando que Senna ainda tinha batimentos cardíacos, embora certamente sairia com sequelas graves na melhor das hipóteses.


Senna prestaria uma homenagem a Ratzenberger, levantando a bandeira austríaca que trazia em seu Williams, em homenagem ao piloto falecido. Após os acidentes fatais, as curvas Tamburello e Villeneuve viraram chicanes. No GP seguinte (Mônaco), duas posições do grid foram pintadas nas cores das bandeiras do Brasil e da Áustria.


O legado de Senna permaneceu, com o Instituto Ayrton Senna, fundado pela família do piloto em 1994. Logo após sua morte, a Rodovia dos Trabalhadores (SP) passou a atender por seu nome. A Senna Imports, responsável pela importação dos carros da Audi a partir de 1994, naquele ano trouxe ao Brasil modelos como o 80, o 100, o S2, o S4 e o A8. As atividades da importadora, sob a direção do irmão mais novo Leonardo Senna, duraram até 2005, quando a matriz alemã assumiu suas atividades no Brasil, encerrando a produção nacional do Audi A3 no ano seguinte e trazendo novos modelos importados.


Em sua última colaboração com a revista Quatro Rodas, Ayrton elogiou bastante o S4, que, aliás, era um dos seus carros de uso pessoal. A tração integral, que garantia estabilidade e segurança em curvas, era um dos destaques. Na época, a Audi não era tão conhecida quanto Mercedes-Benz e BMW, mas logo alcançou popularidade, com o lançamento do A4 (1995) e a fabricação do A3 em São José dos Pinhais, no Paraná (1999).


Bruno Senna, filho da irmã Viviane (ele tinha 10 anos quando Ayrton morreu), chegou à Fórmula 1 como grande promessa. A primeira temporada em 2010, ocorreu na equipe Hispania Racing Team; em 2011, Senna foi para o Lotus Renault GP Team, e em 2012, na Williams. Com resultados medianos e espaço perdido na F1, Bruno migrou para o World Endurance Championship, onde pilota o Aston Martin Vantage GTE - curiosamente, o mesmo Pedro Lamy que se acidentou na largada em Ímola há 20 anos compete no evento, e ao volante do mesmo Aston Martin.


Durante os 10 anos em que correu na Fórmula 1, Ayrton Senna participou de 162 provas, vencendo 41 delas e marcando 65 pole positions, por quatro equipes: Toleman, Lotus, McLaren e Williams. Admirado por milhões, odiado por alguns, Senna definitivamente foi um dos pilotos mais queridos do Brasil e do mundo, e uma das poucas personalidades a atingir o status de herói nacional, no país onde pouco havia o que se comemorar...

Fotos | Ayrton Senna Vive, Ayrton Senna (Facebook), Quatro Rodas (Junho/1994), Paddock Info, Vavel, MSN Autos

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